The Big Short. Entenda porque os EUA perderam o rating AAA.
Acabo de ler um livro obrigatório para aqueles que querem entender a crise do subprime, que levou à mais profunda recessão mundial desde a Grande Depressão da década de 30. Aliás, o rebaixamento da dívida americana, anunciado pela S&P no último dia 5, é mais um ato desta crise que não tem data para acabar.
O livro chama-se The Big Short (W.W. Norton & Company, 2010), cujo autor, Michael Lewis, trabalhou em Wall Street na década de 80, e conhece a máquina como poucos. O título remete a uma operação bastante comum no mercado financeiro: ficar short, no jargão do mercado, significa vender um ativo sem realmente tê-lo. A história é centrada em alguns personagens que apostaram contra o mercado de títulos de dívida imobiliária, que tomou conta de Wall Street no período de 2003 a 2008, quando finalmente explodiu.
A coisa funcionava mais ou menos assim:
1. O banco A concedia um empréstimo imobiliário para que um indivíduo pudesse comprar uma residência.
2. O banco B emitia títulos (chamados de bonds) lastreados neste empréstimo. Este banco B vendia estes bonds no mercado, e com o dinheiro arrecadado adiantava o dinheiro para o banco A, que então podia fazer mais empréstimos para outros indivíduos Os investidores que compravam os bonds do banco B receberiam o dinheiro de volta com juros na medida em que os indivíduos pagassem os seus empréstimos.
3. Um banco ou empresa C empacotava os bonds criados pelo banco B em outros bonds, chamados de CDOs (collateralized debt obligations). Ao contrário dos bonds do banco B, que representava apenas um empréstimo, os CDOs do banco C representavam um conjunto de empréstimos.
4. Esses CDOs, assim como os bonds, recebiam ratings das agências de rating (Moody’s, S&P e Fitch). Assim, você pode imaginar que CDOs formados por bonds de rating BBB receberiam também rating BBB. Mas não era assim que funcionava. Os CDOs tinham uma estrutura tal que algumas fatias tinham risco menor que outras. Assim, o emissor do CDO ficava responsável por, digamos, os primeiros 20% de bonds que falhassem (ou seja, que o indivíduo não pagasse o empréstimo). Assim, os primeiros 20% de inadimplência não afetariam as demais “fatias” do CDO. E assim por diante, de modo que a fatia mais segura (por exemplo, aquela que seria afetada depois de 75% de inadimplência) podia receber um rating maior. As agências de rating, então, davam nota AAA para esta última fatia de bonds BBB empacotados em um CDO. Estes bonds BBB eram os chamados subprime. Assim, com essa lógica, bonds subprime recebiam das agências nota AAA.
5. Confuso com a sopa de letras? Espere que ainda não acabou. Há ainda o mercado de derivativos. Sobre os CDOs foram criados os CDS (credit defautl swaps). Os CDS são derivativos que permitem ao seu comprador proteger-se de um default (falha no pagamento). Assim, digamos que alguém seja credor da Grécia. Para proteger-se de um default da Grécia, o credor compra um CDS da dívida da Grécia, pagando, por exemplo, 10 centavos para cada dólar devido. Se a Grécia falhar no pagamento, o vendedor do CDS está obrigado a pagar para o credor a dívida que a Grécia não pagou. Se a Grécia pagar em dia, o comprador do CDS gastou 10 centavos à toa. Funciona como um seguro, para quem é efetivamente credor. No entanto, o CDS pode ser comprado por qualquer um, não necessariamente o credor. Neste caso, se houver um default, o comprador ganhará um dólar, que entrará limpo no seu bolso, pois não terá sofrido a perda da dívida não paga.
6. O vendedor do CDS, por outro lado, é um vendedor de seguro. Ele vai amealhando os prêmios, e deve pagar pelo desastre (no caso, o default) se este ocorrer. Com o CDS, e a possibilidade de comprá-lo sem efetivamente existir um empréstimo a ser segurado, criou-se um mercado virtual de empréstimos subprime, alavancando o risco do sistema em várias vezes.
Se você acompanhou até aqui, não se orgulhe muito. A coisa é um pouco mais complexa, mas vou parar por aqui. O grande risco desse processo está no passo 4: empréstimos que, na sua origem, tinham um alto risco, acabavam carimbados como AAA, na suposição de que, em um pacote, muitos outros empréstimos ruins precisariam não ser pagos antes que aquele rotulado de AAA fosse mal. A grande falha em todo o processo é que empréstimos BBB têm igual probabilidade de ir mal. Quando pessoas de um determinado nível de renda começam a não pagar os empréstimos, é sinal de que todos naquela faixa de renda estão em dificuldades.
Para piorar a situação, com toda essa engenharia financeira, a quantidade de dinheiro disponível para empréstimos aumentou exponencialmente. Os investidores estavam loucos para comprar títulos AAA com uma excelente rentabilidade. E, assim, começou-se a baixar cada vez mais as exigências para se conceder empréstimos imobiliários, pois a indústria precisava dessa matéria-prima para continuar funcionando. É emblemática a passagem do livro que conta como um dos personagens foi a uma convenção sobre o subprime em Las Vegas, e encontrou uma dançarina de streptease com 5 diferentes empréstimos imobiliários…
O livro vai nos contando como alguns outsiders de Wall Street perceberam o que ninguém havia percebido: que afinal das contas um empréstimo subprime é um empréstimo subprime, e que a possibilidade de default é bem mais alta do que indica um rating AAA. E como, no final, tudo foi caindo como um castelo de cartas, levando bancos e empresas emblemáticas para o buraco negro. E, no final, o próprio governo americano, que nesta semana perdeu o seu rating AAA. A dívida bruta norte-americana, que era de 60% do PIB em 2007, passou para 100% do PIB agora em 2011. Essa brincadeira custou 40% do PIB dos EUA. Uma enormidade. The Big Short é leitura obrigatória para quem quer entender como tudo isso aconteceu.
Leitura interessante, vou procurar, assim que possível ler os livros.
Vou aproveitar e colocar que não foram pequenos fundos fora de Wall Street que apostaram contra os subprimes. Não acredito que o Morgan Stanley (http://online.wsj.com/article/SB10001424052748704250104575238680672738838.html) e o Goldman Sachs (http://online.wsj.com/article/SB10001424052748704682604575369382547871788.html) não sabiam dos riscos dos subprimes. Quando perceberam os riscos, criaram produtos derivativos para trasnferir seus prejuízos aos investidores, americanos e mundiais, que sequer tinham noção do risco, já que eram títulos AAA. E quem tem classificação AAA para estes títulos? Os bancos acima mencionados.
Allan, são coisas diferentes. Morgan, Goldman e outros geravam as estruturas que continham os subprimes, e os vendiam para os seus clientes. Pequenos Hedge Funds (o do John Paulson é citado na reportagem – este é o ator central do The Biggest Trade Ever) apostavam contra os subprimes. Os Hedge Funds e os clientes da Goldman estavam em pontas opostas. Os Hedge Funds ganharam. Goldman e outros estão sendo processados por não terem aberto corretamente os riscos das operações que estavam vendendo para os seus clientes. Estes bancos não necessariamente tinham posições próprias nestes tipos de títulos, atuavam como corretores.
Hilario, não se esqueça que em todo o trade há duas pontas: o comprador e o vendedor. Se Wall Street vendeu ilusões, na outra ponta há desde mutuários até fundos de pensão que compraram. Por isso, a melhor forma de evitar bolhas e crises de maneira geral continua sendo a máxima de Milton Friedman: no free lunch! Os compradores de ilusão acreditaram no free lunch, e deu no que deu!
Wall Street criou uma engrenagem que propiciou fabulosos lucros a muito poucos.
O mecanismo criado parece que sequiu algo parecido como abaixo:
Os Bancos de Investimento (BI) —- origem da criação "inteligente" desse novos "papéis" —– , abriram seu capital, e transferiram o risco ( de perda ou de ganho ) aos acionistas. Como decorrência os gestores(não sócios) passaram a assumir maiores riscos, motivados pelos estratosféricos bônus pagos por "boas" perfomences.
A desregulamentação ocorrida na legislação do mercado financeiro americano estimulou a transferência de riscos(ativos) dos bancos comerciais, que são (eram) regulados pelo Fed, seguindo também as recomendações do Acordo da Basiléia. Assim, diversas outras instituições financeiras (seguradoras,fundos de hedge, fundos de pensão, de investimento…etc.. bancos de investimento….etc…)compraram ativos dos bancos comerciais.
Dessa forma, os bancos comerciais e hipotecários "faziam caixa", e podiam realizar novos empréstimos, gerar novos ativos.
Desta forma, a concessão de crédito foi crescendo velozmente…….gerando bolhas……
As "ratings" participaram dessa engrenagem ao classificarem o risco de crédito de papéis de alto risco como papéis de baixo(subprime)/médio risco, dando-lhes boas notas, e assim, dando sinal verde para diversos fundos que compram papéis seguindo as avaliações dessas ratings(S.P. e Moodys).
Continuando……os BIs criaram os "CDOs empacotados", que misturavam num só título diversos papéis de riscos alto, médio e baixo(subprime), com nota alta certificada pelas ratings.
Como sabiam que os CDOs estavam contaminados —- os BIs criaram os CDSs(seguro de crédito), e os CDOs no início da década de 1990 —– passaram a comprar CDSs(seguro) para se livrarem do risco iminente, já que havia títulos bons e ruins misturados no "pacote".
Quando começou a pipocar a inadimplência subprime, os títulos foram perdendo valor, contaminando as instituições detentoras de CDOs e de CDSs. Instaurou-se a crise de confiança, e o mercado interbancário "congelou", cessando a circulação do crédito.
Só com a intervenção dos órgãos e das autoridades governamentais houve um princípio de desempoçamento do mercado, mas, como estamos vendo, a crise continua………
O livro Big Short é muito interessante, pois mostra os bastidores, e o esquema fraudulento em que envolveram todos os principais atores do mercado financeiro americano.