O pesadelo da casa própria
Nunca vi pesquisas a esse respeito, mas se houvesse, penso que o resultado não seria outro: o maior sonho do brasileiro é ter uma casa própria. Em um país em constante mutação, com instituições ainda em consolidação (eufemismo para não dizer fracas), a casa própria surge como a proteção para as intempéries da vida: desemprego, doença, planos econômicos…
E quando o sonho transforma-se em pesadelo? No post Juros Compostos: por que é justo?, cito uma reportagem a respeito de milhares de mutuários que, depois de 20 ou 30 anos pagando pelos seus imóveis, ainda têm saldo devedor a pagar. Como isso pode ter acontecido?
O Brasil é conhecido como o país das maiores taxas de juros do universo conhecido e, quiçá, desconhecido. As taxas mais camaradas de financiamento imobiliário rodam na faixa de 10% ao ano mais a variação da TR. Parece pouco, mas é uma exorbitância para créditos de prazos mais longos. Vejamos porque.
Suponha que seja possível conseguir um empréstimo no valor total do imóvel, e que este custe R$ 100.000. Você então toma esse empréstimo, a 10% ao ano (vamos esquecer a TR, só para fins didáticos), para pagar em 20 anos. Para facilitar os cálculos, vamos considerar que essa taxa é de 0,8% ao mês. A mensalidade do seu empréstimo é de R$ 500, o que você acha bem razoável. Veja o que acontece.
No final do primeiro mês você deve R$ 100.800 (0,8% aplicados sobre os R$ 100.000 iniciais). Mas você pagou apenas R$ 500. Ou seja, o seu saldo devedor acumulado passa a ser de R$ 100.300, maior do que o inícial, mesmo você tendo pago uma mensalidade. Como pode isso? Simples: você não pagou integralmente os juros devidos! No final do segundo mês, você vai dever R$ 101.102,40, que é o resultado de 0,8% aplicados sobre o saldo devedor de R$ 100.300. Pagando novamente R$ 500, o seu saldo devedor passa a ser de R$ 100.602,40. E assim por diante. Ou seja, nesse ritmo, pagando R$ 500 por mês, você chega ao final de 20 anos devendo R$ 316.339,37. Portanto, lição número 1 dos financiamentos: o tamanho da mensalidade deve ser maior do que os juros incorridos, para que você vá abatendo o principal. E esse é o problema desses mutuários que terminam o período do financiamento e ainda devem outro apartamento: a mensalidade foi muito baixa. Não há mágica.
Por exemplo, se a mensalidade fosse de R$ 1.000, o saldo devedor ao final do primeiro mês seria de R$ 99.800 (R$ 100.800 menos R$ 1.000), R$ 99.598,40 ao final do segundo mês, e assim por diante. Após 202 meses (aproximadamente 17 anos), o saldo devedor estaria zerado, e enfim a casa seria sua! Você teria pago os R$ 100.000 originais e mais R$ 102.000 de juros (R$ 202.000 no total). Parece muito? Pois é, 10% ao ano em um financiamento de longo prazo, de fato é bastante. Por isso, não é muito recomendável financiamentos muito longos com esse nível de taxa de juros. Por outro lado, prazos mais curtos significam parcelas bem maiores. O jeito, talvez, seja rever o tamanho do imóvel, e contentar-se com algo mais modesto. Ou encalacrar-se com juros a vida inteira…
Crédito do thumbnail: Free Digital Photos by Stuart Miles.
Excelente post, me fez lembrar da fábula dos grãos no tabuleiro de Xadrez:
http://www.gnosisonline.org/curiosidades/xadrez-origens-esotericas/
Outro exemplo de como a matemática pode pregar enormes peças aos desatentos.
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… ou ficar na casa da mãe até conseguir comprar algo a vista! Sim, isto mesmo! Quem não tem competência não se estabelece. Ou, se forçar a barra, paga o preço da dívida eterna.