A inflação vai subir: a salvação está na NTN-B?
A última decisão do BC só vai dar certo se tudo o mais der muito errado. Ou seja, a inflação só não vai subir se uma crise de proporções cósmicas se abater sobre o mundo, como em 2008.
Como um raio normalmente não cai duas vezes no mesmo lugar, é lícito então desconfiar que a inflação vai subir. Como se proteger? Há algumas maneiras, mas a primeira que vem à cabeça é o investimento em NTN-B, que é o título público cuja rentabilidade é atrelada ao IPCA. Nada mais lógico, não é mesmo? Afinal, se o IPCA subir, estes títulos vão render mais, correto?
A resposta, como em tudo a que se refere a finanças, é: depende. Depende porque a NTN-B é um título híbrido: uma parte de seu retorno é atrelado ao IPCA, mas outra parte do retorno é uma taxa prefixada. Assim, se você comprar uma NTN-B com vencimento em 2024, você vai obter uma rentabilidade de IPCA + 5%. Estes 5% são prefixados. E como todo título com rentabilidade prefixada, se a taxa sobe você perde, se a taxa cai você ganha. Veja mais detalhes sobre este mecanismo no post Você sabe porque pode perder dinheiro na renda fixa? Então entenda.
Então, vejamos. Quais as forças que comandam a formação da taxa da NTN-B? Tudo em renda fixa começa na taxa básica de juros da economia, a SELIC. Em se tratando da taxa livre de risco, para você se arriscar em títulos parcialmente prefixados (onde você pode perder dinheiro do dia para a noite), estes títulos precisam pagar mais (ou ter a esperança de pagar mais) do que a SELIC.
Hoje a SELIC está pagando 12%, enquanto uma NTN-B que vence em 15 de agosto de 2012 (daqui a um ano, portanto), está pagando IPCA+4,2% ao ano (veja aqui). Então, para que a NTN-B ganhe da SELIC, o IPCA deve ser de 7,5% (calculando com juros compostos) nos próximos 12 meses, correto? Errado! É bem provável que a SELIC seja reduzida nos próximos meses. Portanto, a SELIC acumulada nos próximos 12 meses será menor que 12%. Quanto? Uma boa proxy é verificar quanto está pagando um título prefixado de mesmo prazo. O contrato de DI futuro com vencimento em 1º de outubro de 2012 está pagando 10,76% (confira aqui). Assim, a inflação implícita aproximada para os próximos 12 meses é de 6,30%. A questão agora é simples: você acha que esta inflação será maior ou menor que 6,30%? Se você acha que será maior, deve comprar a NTN-B. Se você acha que será menor, deve partir para uma LFT ou uma LTN (veja no post NTN-F x LFT: o que escolher?, como escolher entre uma LFT ou uma LTN).
Agora, atenção! O mais capcioso deste raciocínio vem agora. O racional acima só vale se você ficar com o título até o seu vencimento. Neste caso, pouco importam as oscilações do preço do papel no meio do caminho. Se você tiver feito uma boa previsão sobre a inflação, o resultado final do seu investimento seguirá a matemática acima. Mas e se você quiser se desfazer do título no meio do caminho?
Digamos que você queira investir em uma NTN-B com vencimento em 2045, que está pagando hoje IPCA+5,65%. Como saber a variação da SELIC até lá? Neste caso, trata-se de um exercício muito difícil, além de inútil. Inútil porque não é assim que o mercado raciocina. E o que importa, agora, é como o mercado raciocina. Você provavelmente não vai segurar este título até 2045, certo? Portanto, vai se desfazer dele antes do vencimento. E vai se desfazer dele a preço de mercado. Assim, importa a taxa que o mercado estará praticando no momento da venda.
Suponha que você queira vender daqui a 3 anos, e esta mesma NTN-B esteja pagando, no momento da venda, IPCA+6,5%. A perda de capital causada por esta subida da taxa é de 17% (veja o post Você sabe porque pode perder dinheiro na renda fixa? Então entenda para entender este cálculo). Ou seja, o IPCA acumulado nestes três anos deve ter sido acima de 17% para que você não tenha perda de capital, ou bem mais do que isso para que você tenha conseguido empatar com a SELIC.
Resta agora entender porque raios o mercado decidiu que o cupom da NTN-B deveria subir de 5,65% para 6,50%. O cupom das NTNs-B mais longas refletem uma visão do mercado sobre o nível das taxas de juros reais que devem ser praticados na economia em equilíbrio. Não se trata de uma previsão, mas de uma análise sobre as condições presentes e seu impacto sobre a perpetuidade. Vejamos alguns cenários possíveis:
1) O banco central é percebido pelo mercado como institucionalmente comprometido com o controle da inflação. Neste cenário, as taxas de juros reais tendem a convergir para patamares mais civilizados.
2) O banco central é percebido temporariamente como leniente com a inflação, mas o arcabouço institucional permanece intacto. Ou seja, trata-se de um BC provisoriamente leniente, mas que voltará aos trilhos mais cedo ou mais tarde. Neste caso, todas as taxas de juros (SELIC, prefixadas e as reais) deveriam subir, para trazer a inflação de volta.
3) O banco central (e o governo como um todo) é percebido como permanentemente comprometido com qualquer coisa, menos com o valor da própria moeda. Sendo assim, é de se esperar inflação alta e juros reais negativos.
Os melhores cenários para o detentor de uma NTN-B de longo prazo são o 1 e o 3. O cenário 2 faria com que o mercado aumentasse o cupom das NTNs-B, provocando perdas para os seus detentores. Nos últimos anos, o cenário 1 prevaleceu, razão pela qual as NTNs-B foram um bom negócio, mesmo com a inflação em queda. Mais recentemente, nas últimas semanas, um pouco do cenário 3 prevaleceu, e por isso as NTNs-B renderam bem.
Obviamente, torcemos para que o cenário 1 prevaleça no final.
Crédito do thumbnail: Free Digital Photos by Kittisak.
excelente artigo
Gostei muito desse blog, parabens! Um dia quero trabalhar com tradding, mas tem coisas que nao consigo entender.
Sobre contratos futuros de DI, ouvi na facul que pode ser comparado a um swap di. Mas se eu comprar contratos futuros de Di, eu fico ativo em cdi ou na tx fixa?
Dr. Money, adorei esse site. Para quem gosta de Mercado de capitais, esse site e fundamental para entender melhor o funcionamento. Tambem fiquei curioso quanto a duvida do amigo Antonio, sempre achei a minha duvida boba, mas agora fico mais tranquilo para perceber que tambem tem gente que tem as mesmas duvidas.
Estou com uma dúvida: para ficar comprada em implicita, tenho que comprar NTN-B + contratos futuros de DI, e isso? Vi em alguns artigos, que o ano de 2012 alguns bancos ficaram posicionados assim. Mas se comprar DI com selic caindo nao se perde dinheiro?
Lia, é isso mesmo: para ficar comprado em inflação implícita é preciso comprar NTN-B e vender contratos futuros de DI. E o motivo é simples: ao vender contratos DI, você está “neutralizando” o cupom da NTN-B, sobrando somente o componente de inflação. Por exemplo, digamos que a NTN-B que vence em maio de 2017 está pagando IPCA+5,85%, enquanto o contrato do DI vencendo em janeiro de 2017 esteja pagando 12,10%. Ao comprar a NTN-B e vender o DI, você está comprando inflação a 6,25% ao ano até janeiro de 2017. Se a inflação for maior do que isso, você ganha dinheiro, pois a NTN-B vai render mais que 12,10%, e o contrato DI custou só 12,10% ao ano. Se, por outro lado, a inflação for menor que 6,25% ao ano, você perde dinheiro, pois a NTN-B vai render menos que 12,10%, que é o custo do seu “empréstimo”, que é a venda do contrato DI.
Veja que esse raciocínio independe da trajetória da SELIC até o vencimento do contrato. Obviamente, no meio do caminho você pode perder ou ganhar dinheiro, dependendo das variações das taxas da NTN-B e do contrato futuro. Mas se você segurar essa operação até o vencimento, essa aposta vai depender somente do comportamento da inflação.
Espero ter esclarecido. Qualquer coisa, volte a perguntar.
Quando se aplica em fundo com IPCA Lonngo Prazo, ou seja NTN-B longa, e o cupom sobe (junto com a SELIC) as cotas do fundo caem….Se o fundo segurar esses títulos es juros caírem ao longo do tempo, é provável que se recupere o valor da cota. Certo?
Mas como garantir que o fundo segurará os títulos? não tenho certeza se é viável segurar cotas em fundo desses -NTN-B- após queda para esperar recuperar seu valor…
É verdade Paulo, para que você recupere o seu investimento com a eventual queda das taxas de juros, é necessário que o fundo segure estes títulos. Se a política de investimento do fundo estabelecer que o gestor necessariamente vai estar aplicado em NTN-B o tempo todo, então o mais provável é que o fundo segurará estes títulos. Caso contrário, o gestor do fundo pode sim vender os títulos, e perder a recuperação. Verifique junto ao seu banco, ou lendo o prospecto do fundo. qual a política de investimento do fundo.
estou querendo investir meu salario em imóvel no nordeste mas minha renda é pouca, purinconto só tenho a penas sonhos, espero um dia esse sonha seja realizar ‘como posso fazer isto?
Dr. Money, Estou com um fundo de renda fixa composto com 95% em NTN-B. Lendo seu artigo fiquei mais esclarecida sobre o que êh este NTN-B, porém comecei a aplicar nele em dezembro de 2012. Até estava ficando legal, a partir de fevereiro começou a cair direto. Acredito que deva ser esta subida da selic. Vc acha que se eu deixar um ano neste fundo eu corro o riso de ter uma rentabilidade negativa em 12 meses? Obrigada Claudia
Claudia, o fundo perdeu neste período porque as taxas das NTN-B subiram, e não porque a SELIC subiu. As coisas estão relacionadas, mas é bom ter em mente o conceito. Eu comento sobre esta diferença no post “A relação entre a taxa SELIC e o retorno dos investimentos em renda fixa”. E, sim, é pouco provável que o seu rendimento seja negativo em um período de 12 meses. O que não significa que você ganhará mais neste fundo do que em um fundo DI neste período. Espero ter esclarecido.
Dr. Money,
como renda fixa não é meu forte, gostaria de um help.
Digamos que eu tenha um título NTN-B Principal hoje para vencimento em 10 anos e com taxa de 4%+IPCA (q está implícito em 6,5%).
Ele então deveria estar custando 1000/1,105^10 = 368,44
Correto até aqui? Se estiver, minha dúvida é a seguinte.
Digamos que em 2 anos a inflação comece a acelerar e chegue a 8%. O mercado identifica isso e faz com que os juros também subam para, digamos, 5%.
O título então agora deverá valer 1000/1,13^8 = 376,16
Está correto este raciocínio?
O que estou achando estranho é que a aceleração da inflação está diminuindo o valor dos títulos na marcação a mercado.
É isso mesmo?
Abraços!
A inflação não entra no cálculo da taxa de desconto. O IPCA é a parte pós-fixada da taxa e, portanto, só entra reajustando o preço do título na medida em que o tempo vai passando. A taxa de desconto é apenas a taxa prefixada. No seu exemplo, 4% e 5%, respectivamente. De fato, esse aumento dos juros faz com que o título perca valor.
Vamos usar o seu exemplo, considerando que o título seja comprado hoje, faltando 10 anos para o vencimento. Temos: 1000/1,04^10 = 675,56. Passam-se 2 anos, e a inflação acumulada é de 10%. Portanto, o preço inicial de 1.000 deve ser corrigido em 10%, para 1.100. Assim, o preço agora (com a taxa de 5% e 8 anos para o vencimento) é: 1100/1.05^8 = 744.52.
Ahhhhhhhh! Agora sim, entendi! A inflação atua no valor de face!
Muitíssimo obrigado, Dr. Money!
[]s!
Antônio, tanto as taxas reais (cupom das NTNs-B) quanto nominais (prefixadas) despencaram em agosto e em setembro. Isso aconteceu porque o cenário internacional piorou muito, e as taxas de juros no mundo inteiro caíram, precificando uma recessão global. Quando a atividade econômica desacelera, as taxas de juros recuam, antecipando a resposta da autoridade monetária a um ciclo de desaceleração da economia. De fato, no Brasil, o mercado de taxas de juros (tanto reais quanto nominais) antecipou a decisão do COPOM de agosto, que efetivamente derrubou a SELIC.
Espero ter esclarecido. Sinta-se à vontade para pedir mais algum detalhamento. Abraço!
Dr. Money,
Porque o mercado decidiu que o cupom da NTN-B teria que cair de 6,5% em julho 2011 para algo com 5% em outubro de 2011?
Os dados do cupom da NTN-B são os dados reais da NTN-B 150515 numa serie histórica de janeiro de 2009 a outubro de 2011. Escolhi este papel para minimizar as flutuações relacionadas ao duration, mas que fosse curto o suficiente para refletir as alterações ocorridas nas taxas pré-fixadas neste período.
No gráfico anexo, vemos que o cupom caiu bastante no mês de agosto e depois se estabilizou num patamar de quase 150 bps mais baixo do que antes desta ultima crise. Sabemos que neste período o BC se reuniu duas vezes e reduziu a Selic em 100 bps, enquanto a inflação medida pelo IPCA permaneceu no topo do meta.
Em sua opinião, porque o cupom “fechou tanto” neste período?
Desde já agradeço os seus comentários.
Antonio Luis de Castro
Guimarães, a tabela a que você se refere traz os preços dos títulos, ou seja, quanto você vai pagar por eles, ou quanto você vai receber por eles, caso queira vendê-los. O preço relaciona-se com a taxa de acordo com a natureza do título (pós-fixado, pré-fixado, indexado à inflação). Vou fazer um post a respeito para explicar melhor.
Maurício, veja o meu post http://www.drmoney.com.br/2011/05/voce-sabe-porque-pode-perder-dinheiro.html, que explica porque os títulos de renda fixa recuam de preço. No caso específico das NTNs-B neste período, o cupom subiu porque o mercado começou a desconfiar que as taxas de juros reais deverão ser mais altas no futuro para combater a inflação, pois o BC está sendo leniente no presente. Justamente o cenário 2.
Dr. Money, poderia explicar como um fundo como o do Banco do Brasil (RF LP Indice de Preço), que é atrelado a NTN-B, pode variar de um dia para outro, de positivo para negativo, como no periodo de 14/09 a 22/09/2011. Este caso se enquadra no cenario 2?
Otima materia!
Obrigado.
Mauricio
Recentemente, consegui formar uma poupança e comecei a pesquisar os diversos investimentos que poderia fazer. Inicialmente pensei em investir na bolsa, não muito, cerca de R$ 5.000,00, contudo comecei a me interessar pelo TD, pois o dinheiro que tenho é pouco e não posso arriscá-lo tanto. Contudo, ainda não entendi direito como funciona a venda e a compra desses titulos. Entendi que o investidor pode optar por várias modalidades de titulos, até ai tudo bem, mas como funciona aque tabela de preços para compra e para venda (alguns não tem o valor de compra). Alguém poderia detalhar melhor. Obrigado e parabens pelo blog!
Sandro, sem dúvida. Se você realmente pretende segurar estes títulos por muitos anos, acho que são imbatíveis, mesmo com toda a oscilação nos preços no meio do caminho.
Dr. Money: Obrigado! É a melhor série de posts sobre o TD que já vi!
Uma dúvida: ainda que as NTN-Bs mais longas apresentem maior volatilidade e possam perder valor ao longo do tempo, vc não acha que, mesmo assim, essas NTN-Bs (2035 ou 2045) seriam as opções mais interessantes em renda fixa para o longíssimo prazo (pensando na aposentadoria)?
Sandro
Tiago, seja bem-vindo ao blog! Sinta-se à vontade para comentar, criticar e sugerir novos temas.
Abraço.
Finalmete um texto mais detalhado sobre o assunto. Continue comentando o assundo de forma mais detalhista e aprofundada. Para fazer o básico ja existem muitos blogs e sites.
Vou ler tudo no blog e comentar sobre.
Abraço Amigo!
Leniente significa que o BC não está nem aí para a inflação. Como no cenário 2 o BC é apenas temporariamente leniente, quando ele acordar terá que subir novamente as taxas de juros (na verdade, a um patamar superior ao atual, dado que a inflação estará bem acima da meta).
Dr Money,
Ótima matéria, como sempre!
Só não ficou claro para mim o cenário 2 onde "o banco central é percebido temporariamente como leniente com a inflação".
Seria um cenário de inflação abaixo da meta/de deflação?
Usei um prazo bem longo (2045) justamente para aumentar a verossimilhança do meu exemplo. Como se trata de um título com 34 anos de prazo, somente uma investidor com seus 30 anos terá condições de manter este título até o seu vencimento, sem começar a se desfazer dele para a sua própria sobrevivência. Mas concordo com você, se puder manter, melhor.
Dr Money: só não concordei com a seguinte frase:
"Você provavelmente não vai segurar este título até 2045, certo? Portanto, vai se desfazer dele antes do vencimento."
Acredito que é o contrário. Quem compra uma NTNB-2045 deveria estar sim pensando em levar o título até o vencimento, com um dos seguintes objetivos: (a) acumular poupança de longo prazo (aposentadoria); (b) ter uma fonte complementar de renda (via cupom pago pelas NTNBs).