Coitadismo e accountability: o que a Grécia tem a ver com o seu bolso.
Arnaldo Jabor, o cineasta que de vez em quando também faz análise econômica, nos brindou com mais um comentário na CBN (aqui) sobre um assunto que lhe é caro: a maldade dos capitalistas financeiros (em contraste com os capitalistas produtivos), e sua encarnação-mor: os banqueiros de Wall Street.
Lá pelos 20 segundos do áudio, Jabor acusa os tais banqueiros de Wall Street de estarem agora espalhando o seu veneno pela Europa. Pelo que entendi, as agruras pelas quais passam Grécia, Portugal e Irlanda teriam como responsáveis os soturnos senhores da rua financeira mais famosa do mundo.
Bem, daqui a pouco Wall Street será acusada pelo aquecimento global, pela queda do jato da Air France e pela dengue no Brasil. No link a seguir (aqui), vai um gráfico bastante elucidadativo, publicado pelo New York Times, mostrando quem deve para quem na Europa.
Peguemos o exemplo da Grécia, que é a bola da vez nos mercados internacionais. Neste gráfico, podemos observar quem são os credores da Grécia. Da dívida de US$ 236 bilhões, US$ 135 bilhões (quase 60%) pertencem a bancos e outros investidores na Alemanha, França e Inglaterra, principalmente os dois primeiros. O restante está espalhado pelo resto da Europa e pelos próprios bancos gregos. A participação dos banqueiros de Wall Street não ultrapassa 3% do total. Então, Wall Street pode até ser a responsável pelo aquecimento global, mas o seu veneno não chegou ao Parthenon.
A origem do veneno, no entanto, é o de menos. A questão fundamental neste tipo de análise é colocar a culpa no credor, e não no devedor. A Grécia fez a sua dívida por sua própria conta e risco, e curtiu a vida adoidado, até a conta chegar. Foi, inclusive, acusada pela União Européia de ter cometido fraude contábil, para esconder os números horrorosos de seu balanço. E os culpados são os investidores? Se alguma culpa tiveram, foi a de terem confiado no governo grego.
A que se deve este tipo de análise, que cala fundo na alma do brasileiro? É a chamada cultura do coitadismo. Quando alguém se dá mal na vida, seja porque motivo for[1], recebe o tratamento de coitado. A sua responsabilidade pela situação em que se encontra é minimizada, e o culpado é sempre o outro. A Teoria da Conspiração é prima-irmã da cultura do coitadismo. Especificamente no caso dos endividados, o coitado sofre na mão dos bancos (ou dos agiotas, o que vem a dar na mesma), esses capitalistas financeiros insaciáveis e sem coração. Aqui também a única culpa dos bancos, parece-me, é ter emprestado dinheiro para o coitado. Aliás, no momento em que tomam a decisão de cortar o crédito, tornam-se os vilões da história. Então, ficamos assim: os bancos são culpados por terem emprestado, e também são culpados quando decidem não emprestar mais.
A cultura do coitadismo se opõe frontalmente à cultura do accountability. Esta palavra, difícil de traduzir para o português, significa algo como “responsabilizar-se por aquilo que se fez ou que se deve fazer”. As pessoas e as nações são donas de seus destinos, e colhem os frutos daquilo que plantaram. Se a Grécia chegou à situação em que chegou, foi devido a suas próprias escolhas ao longo do tempo. Obviamente, os financiadores de suas escolhas têm parte da culpa, mas não no sentido implícito na cultura do coitadismo. Os financiadores não causaram o vício à revelia do coitado, apenas o financiaram.
Na vida das nações, assim como na vida das pessoas, sempre chega a hora da verdade. Dar o passo maior do que a perna, acreditar em almoços de graça, consumir no cartão de crédito mais do que permite o próprio orçamento, costumam produzir catástrofes financeiras mais cedo ou mais tarde. Muitos passam pela sua “tragédia grega” particular. Se você está passando pela sua, o melhor a fazer é abandonar a cultura do coitadismo e assumir as rédeas do seu futuro, cortando na carne se preciso for.
Se o lucro dos bancos fosse padronizado de acordo com algum critério de justiça e proporcionalidade (e aqui entra uma questão delicada), concordaria com o texto, e o Estado que assumir dívidas nesse contexto deve ser totalmente responsabilizado, sem essa de coitadismo.
Quando o lucro dos bancos é baseado em “até onde o devedor aceitar pagar”, isso muda um pouco o cenário. Cada gestão estatal deixa as contas um pouco mais no negativo, tanto por incompetência quando por fatores alheios, assumindo dívidas novas para pagar dívidas antigas (é a única solução a curto prazo, pois tem que pagar e não tem de onde tirar dinheiro, e não há continuidade de uma gestão para que se possa criar um plano a longo prazo eficiente de pagamento de dívidas, sempre entrará uma nova gestão com novas ideias, querendo que as coisas aconteçam “do seu jeito”, e não do jeito da antiga gestão, por questões políticas). Os bancos, aproveitando-se desse quadro de endividamento recorrente, praticam um capitalismo predatório, abusando das taxas, as quais devem ser aceitas passivamente pelos países, que podem dar calote ou demorar mais que o prazo pra pagar, dando pretexto para os bancos aumentarem os juros cobrados, e esse ciclo se repete até a hora em que um país quebra.
Qual a sua opinião sobre o cenário apresentado?
Minha opinião, Arthur, é que os bancos, como qualquer comerciante, em qualquer ramo de negócios, vai estabelecer o preço de acordo com a demanda. Não são os bancos que criam as dívidas, são os países e os indivíduos. Quando se culpa os bancos porque se dispuseram a emprestar dinheiro, estamos diante de uma inversão de responsabilidades. A isso chamo de “coitadismo”.
Dr. Money,
seu post me deixou emocionado. Quanta realidade em poucas linnhas.
Coitado do brasileiro.
Acho que o ilustre Anônimo não sabe a diferença entre "amoral" e "imoral". Só faltou me chamar de comunista, justo eu que amo meu ouro e o mundo corporativo.
Caro anônimo, permita-me discordar. Justiça e liberdade não tem relação com o capitalismo, mesmo intitulando-o puro. Justiça e liberdade possuem relação com decisões morais. E baseado nestas decisões poderemos discutir a Ética de um sistema. Nenhum sistema será, ou poderá ser livre e justo quando seus líderes não agirem com condutas moralmente corretas para a época e para com a realidade em que se encontram. O capitalismo me parece ser o melhor sistema, mas isto não o tranforma em um ícone de liberdade e justiça.
Amoral é esse comentário. O capitalismo puro é a essência da justiça e da liberdade de escolhas
O capitalismo e o sistema financeiro são amorais. É como uma faca, que pode ser usada para cortar goiabada cascão ou a cabeça de algum desafortunado. Quem pode mais, chora menos. E dane-se.
O problema é que não inventaram nada melhor para colocar no lugar ainda.