O fim da Caderneta de Poupança como a conhecemos
Os fundos do tipo Curto Prazo e DI tinham, acumulavam, até a data de ontem, o montante de R$ 319 bilhões. Considerando que esses fundos invistam, em média, 25% de seu patrimônio em títulos privados, restam R$ 239 bilhões em títulos públicos, a maior parte LFTs. Se o total da dívida pública é de aproximadamente R$ 1.767 bilhões, então os fundos Curto Prazo e DI detêm cerca de 13,5% da dívida.
É este montante, no mínimo, que está em risco, na medida em que a taxa SELIC cai, e a Caderneta de Poupança permanece rendendo o mesmo de sempre. Veja o gráfico a seguir:
Neste gráfico simplificado, podemos ver a rentabilidade da Caderneta de Poupança e de fundos DI com taxas de 0,5%, 1% e 2%, em função da taxa SELIC. Detalhe: a rentabilidade dos fundos DI é líquida do IR, para poder ser comparada com a Caderneta em igualdade de condições. Estou considerando uma alíquota de 20%, que é a alíquota para resgates entre 6 meses e 1 ano.
Pois bem: podemos observar que, para um fundo DI com taxa de 0,5%, a Caderneta passa a render mais quando a SELIC atinge 9,00%. No caso do fundo com taxa de 1%, a Caderneta leva vantagem a partir de uma SELIC de 9,50%. E no caso de um fundo com taxa de 2%, a Caderneta já leva vantagem hoje.
O investidor tem, então, duas alternativas: ou busca investimentos mais arriscados, e que podem gerar retornos maiores em prazos mais longos, ou mudam para a Caderneta de Poupança. Vale lembrar que as LFTs, vendidas no Tesouro Direto, pagam uma taxa de custódia entre 0,3% e 0,5% ao ano, se você usar a corretora de um grande banco. Portanto, o Tesouro Direto acaba sendo aproximadamente equivalente a um fundo DI com taxa de 0,5% ao ano. Veja mais informações a este respeito no post Fundo DI x Tesouro Direto x CDB-DI.
Para alguns investidores, migrar para aplicações mais arriscadas não é uma opção. Eles querem a segurança de uma aplicação que não apresenta volatilidade no dia-a-dia, seja porque não toleram riscos, seja porque o objetivo daquele investimento é o de ser uma reserva para emergências. Neste caso, a migração para a Caderneta é quase obrigatória. E é aqui que mora o perigo para o governo: do jeito que a coisa vai, poderá haver uma grande migração dos fundos DI para a Caderneta, perdendo o Tesouro um mercado cativo da ordem de 13,5% de sua dívida. Se todos resolvessem migrar na semana que vem, o Tesouro precisaria dar um jeito de resgatar esses títulos.
Claro que este cenário é extremo. Muita gente sequer faz esta conta, largando o seu dinheiro sem mais em aplicações que rendem menos. Mas basta que uma parcela resolva fazer a migração, para que o governo comece a enfrentar problemas. Não por outro motivo, se tem falado tanto em mudança de sistemática de remuneração da Caderneta.
Na verdade, a Caderneta de Poupança é uma herança de um tempo que estamos deixando para trás. De um tempo em que 6% + TR ao ano era uma remuneração baixa. De um tempo em que os ricos aplicavam no overnight, e aos pobres só restava a Caderneta. De um tempo em que o mercado de capitais se restringia à Bolsa de Valores. Hoje, não faz mais sentido uma aplicação que promete retorno em um mês, mas que serve como funding para empréstimos imobiliários de até 30 anos. No momento em que se quer desenvolver um mercado de títulos de renda fixa como o que se tem em qualquer lugar civilizado, a Caderneta surge como uma relíquia do passado.
É necessário mudar a forma de remuneração da Caderneta, para adequá-la ao seu nível de risco. A Caderneta deve ser, hoje, a única aplicação do mundo que não obedece à regra de maior risco para um potencial maior de retorno. Quando ela foi criada funcionava assim, mas com o nível atual das taxas de juros, a Caderneta tornou-se uma distorção. Portanto, se o plano é ter uma SELIC mais baixa, a mudança na sistemática da Caderneta é inexorável, por mais que neguem as autoridades competentes.
O recurso da poupança é destinado ao financiamento imobiliario, com a mudança da forma de calculo do rendimento para 80% da Selic continuam a ter a mesma destinação?
Se hoje os Fundos DI tem participação de aproximadamente 13% do total da divida, se migrarmos para a poupança o Governo vai ter de aumentar a taxa Selic para acima dos 9% para tirar o gatilho, visando tornar as aplicações em DI mais atrativas?
No primeiro parágrafo, o correto são R$ 1.767 TRIlhões.
Na verdade, é 1.767 bilhões (mil setecentos e sessenta e sete bilhões) mesmo. Seria trilhões se tivesse escrito 1,767 (um vírgula 767 trilhões).
Obrigado por sua observação.
Dr, parabéns pela clareza na exposição dos motivos que levarão ao fim das regras atuais da poupança. É impositiva essa mudança, visto que, pelo que parece, o Governo pretende baixar a SELIC a níveis de 3% reais (SELIC – INFLAÇÃO), para fazer superávit primário. Favor repassar a memória de cálculo utilizada. Desde já, grato.
E o que exatamente mudaria ?
Qualquer mudança deveria afetar a rentabilidade da poupança. Há vários estudos nesse sentido, sendo o último que vi, atrelar a rentabilidade à um percentual da taxa SELIC (por exemplo 80%). Provavelmente esta mudança não atingiria todas as contas, mas apenas aquelas maiores, por exemplo, com saldo acima de R$ 5.000.