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Investimentos

Finanças Comportamentais: o que é isso?

Finanças comportamentais é um ramo das finanças que se dedica ao estudo da influência da psicologia humana nas decisões de investimentos. Parece óbvio que, sendo uma atividade realizada por seres humanos, o ato de investir seja influenciado pelos assim chamados “desvios” da mente humana. Este fato é intuitivo, mas até 1979 não havia recebido o tratamento acadêmico adequado. Neste ano, foi publicado o artigo por muitos considerado como “fundador” deste ramos das finanças: Prospect Theory: An Analysis of Decision Under Risk, de Daniel Kahneman e Amos Tversky. Kahneman ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 2002 (Tversky havia falecido em 1996), sem nunca ter cursado sequer uma única cadeira de Economia. Sua especialidade era a psicologia, mas a sua Teoria do Prospecto ajudou a entender um pouco melhor como funciona a mente humana no momento de decidir entre diferentes investimentos arriscados.

Antes de avançar, é útil entender o que existia antes de Kahneman e Tversky. Em 1959, Henry Markowitz publicou o seu famoso artigo (que também lhe rendeu um Prêmio Nobel de Economia) Portfolio Selection. Neste artigo, Markowitz lançou as bases teóricas do que se convencionou chamar Moderna Teoria de Finanças, depois completada pelo também Prêmio Nobel William Sharpe em 1964 no artigo Capital Asset Prices: A Theory of Market Equilibrium under Conditions of Risk, onde o CAPM (Capital Asset Pricing Model) é desenvolvido.

Uma das bases da Moderna Teoria de Finanças é a modelagem do comportamento do investidor através da Teoria da Utilidade: o investidor é um maximizador de utilidade, ou seja, de seu bem-estar. Para que a teoria funcione, é necessário que o investidor tenha uma função utilidade com duas características: 1) o investidor deve gostar de mais riqueza do que de menos riqueza (ou seja, a função deve ser crescente) e 2) cada unidade a mais de riqueza proporciona um bem estar inferior à unidade de riqueza obtida anteriormente. Ou seja, os ganhos adicionais têm menos valor na medida em que o investidor vai ficando mais rico. Ganhar R$ 1.000 é diferente para uma pessoa que tenha R$ 1.000 e para uma outra pessoa que jã tem R$ 1.000.000. Essas duas características da função utilidade garantem que o investidor tem aversão ao risco. Isso quer dizer que, na medida em que o risco de um investimento vai aumentando, o investidor exige um retorno desproporcionalmente maior ao aumento do risco. Digamos que o investimento A tenha risco 1, e o investimento B tenha risco 2. Se o retorno esperado do investimento A é 1, o investidor que tem aversão a risco vai exigir um retorno esperado acima de 2 para topar o investimento B. Quanto acima de 2 vai depender do nível de aversão a risco. Pode ser 2,1 (para um investidor com pouca aversão ao risco), ou pode ser 10, para um sujeito muito avesso ao risco. Mas será maior do que 2, com certeza.

Falta ainda definir o que vem a ser risco na Moderna Teoria de Portfolios. Markowitz define risco como a variância (ou desvio-padrão) dos retornos de um ativo. Para quem chama a estatística de minha senhora, basta entender que, para Markowitz, o risco é uma característica do ativo, função da variabilidade de seus preços no tempo, e não depende de como o investidor vê o ativo. Em outras palavras, todos os investidores têm a mesma visão do risco do ativo, e escolhem os ativos onde vão investir em função de sua aversão a este risco.

O que Kahneman e Tversky fizeram na sua Teoria do Prospecto? Simplesmente desconsideraram a Teoria da Utilidade, e começaram a pesquisar como os investidores, na prática, encaravam o risco. E descobriram coisas bem interessantes. Um dos experimentos consistiu no seguinte:

Jogo 1: você recebe R$ 1.000, e é convidado a escolher entre A) entrar em um jogo com 50% de chance de ganhar mais R$ 1.000 ou B) ganhar mais R$ 500 com 100% de certeza.
Jogo 2: você recebe R$ 2.000, e é convidado a escolher entre A) entrar em um jogo com 50% de chance de perder R$ 1.000 ou B) perder R$ 500 com 100% de certeza.

Note que, em ambos os jogos, se você escolher a alternativa (A), sua riqueza final será de R$ 2.000 com 50% de chance, ou R$ 1.000 com 50% de chance. E se você escolher a alternativa (B), em ambos os jogos você termina com R$ 1.500 com 100% de chance. Aparentemente, para alguém com alguma aversão ao risco, a escolha B seria melhor em ambos os jogos, pois proporciona o mesmo retorno esperado com menos risco (ou 100% de certeza). No entanto, sabe qual foi o resultado final do experimento? Kahneman e Tversky entrevistaram um grupo de 141 pessoas: 84% escolheram a alternativa (B) no jogo 1. Até aqui, ok. Mas a surpresa vem no jogo 2: neste caso, 69% das pessoas escolheram a alternativa (A)! Ou seja, a maioria preferiu correr mais risco no jogo 2! E por que? Porque o jogo 2 envolve perdas. Quando se trata de preservar ganhos, o investidor quer distância do risco. Mas, para evitar perdas, o investidor prefere correr risco! Isto viola a Teoria da Utilidade, tal como foi utilizada por Markowitz.

Este e muitos outros desvios do investidor dito racional foram catalogados ao longo do tempo. São desvios que desafiam a suposta racionalidade e eficiência dos mercados. Veremos alguns deles ao longo dos prõximos posts. No entanto, por mais que se saiba que os investidores não se comportam da maneira prevista na Moderna Teoria dos Portfolios, o diabo é que os mercados continuam desafiando aqueles que tentam explorar as suas supostas irracionalidades e deficiências. Aparentemente, os mercados se comportam de maneira racional, mesmo sendo formado por investidores irracionais, em um tremendo paradoxo. Mas isso é assunto para um próximo post.

Crédito do thumbnail: Free Digital Photos by Kromkrathog.

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6 Comentários

  1. Dr. Money disse:

    Major, depende do nível de profundidade que você quer. Um livro bem be-a-bá é o "Finanças Comportamentais", do Aquiles Mosca, Coleção ExpoMoney. Um outro que eu gosto, mas que apesar de não ser especificamente sobre Finanças Comportamentais, aborda o tema em todas as suas páginas, é o "Os Axiomas de Zurique", do Max Gunther.

    Já para aqueles que querem profundidade, nada melhor do que os pais da matéria: Khanemam e Tversky juntam em um único livro (Choices, Values & Frames – http://www.amazon.com/Choices-Values-Frames-Daniel-Kahneman/dp/0521627494/ref=pd_sim_b_5) os artigos acadêmicos mais relevantes da área. Como o arcabouço teórico das Finanças Comportamentais ainda é bem limitado, esses artigos, ainda que acadêmicos, não são muito difíceis de entender, pois são mais empíricos.

  2. Roberto Pina Rizzo disse:

    Everton:

    Por que não X+1? X+2?

    Dois milhões está bom para você? Não vai querer dois milhões e quinhentos mil quando chegar lá?

  3. Everton Ricardo disse:

    Acho bem legal o tema "emocional". E gosto bastante da palavra "paradoxo". Também penso que a mente humana é um mistério. Por isso tudo é que me fascina quando o assunto é voltado para investimentos emocionais, ou irracionais.
    Vou seguir com muita atenção seus próximos posts.
    Agora discordo do comentário do amigo Roberto Pina Rizzo, pois acredito que um excelente planejamento financeiro, ou planos de riqueza etc, depende muito de uma meta predeterminada. O objetivo ou meta é o início do planejamento. Se você não conhece seu objetivo X, como poderá saber quando vai alcança-lo.
    Fica a dúvida.
    Para mim não há questões neste caso, já que sei exatamente quanto quero juntar de dinheiro para que eu possa abandonar meu emprego e fazer o que eu gosto e quando quero. Ou seja, semi-aposentado.
    O valor X e a data X são esperados com muito entusiasmo, e a cada mês que passa acredito mais ainda que os alcançarei.
    Abraços.

  4. Ulisses Nehmi disse:

    Finanças comportamentais fascinam porque: i) desafiam a racionalidade, e ii) nos identificamos com as aplicações.
    No caso do jogo acima, é um ótimo exemplo de aplicação de arquitetura de escolha (veja http://www.blogdoinvestidor.com.br/2011/05/usando-a-arquitetura-de-escolha-para-ajuda-lo-a-economizar).
    Abs

  5. Major disse:

    Muito bom o post!

    Vc teria indicação de alguns livros, em Inglês mesmo, sobre o tema ?

    Abs

  6. Roberto Pina Rizzo disse:

    Houve época em que eu pensava: quando o porquinho estiver com tamanho X, este número soará bonito… Pois bem, este X anda lá na frente como um coelho mecânico em uma corrida de cachorros… Hoje não há mais número bom… Não há limites…

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